domingo, 28 de outubro de 2007

Relato da marcha à Brasília por Cláudia Rejanne

A professora Cláudia Rejane, militante do PSTU do Crato e que fez parte da delegação cearense que foi à marcha publicou ontem na área de comentários de nosso blog um relato sobre a marcha que trazemos hoje para a "primeira página".

SOVIETE DO CEARÁ EM BRASÍLIA

Enquanto houver espaço, corpo, tempo
E algum modo de dizer não, eu canto
(Belchior)


20/10/2007, Segunda-feira, Crato-CE, local conhecido como “Asa”. Estávamos Cláudia Rejanne (SINDURCA), Ana Maria (Biologia), Dayana (C.A Pedagogia), Ítalo (C.A História), Emanoela (CONLUTE), tod@s da URCA, Tiago e Ivoneide (CONLUTAS). Depois chegaram Dona Guadalupe (IBGE) e Pedro (Ciências Sociais-URCA). Esperávamos um dos ônibus fretados pelos sindicatos, entidades estudantis e populares de Fortaleza, com destino a Brasília para participar da Marcha Nacional em defesa dos direitos trabalhistas e previdenciários e para entregar o resultado do Plebiscito Nacional realizado em setembro sobre a Reestatização da Vale do Rio Doce, pela redução da taxa de energia elétrica, pelo não-pagamento da dívida externa em detrimento dos investimentos sociais, e contra a reforma da previdência que praticamente inviabiliza a aposentadoria. O Ceará enviou dois ônibus: um, composto majoritariamente pelos sindicalistas: rodoviários, trabalhadores da construção civil etc, e outro, com maioria dos estudantes da UFC, da UECE Fortaleza e Limoeiro do Norte, da URCA, estudantes secundaristas, companheir@s da comunidade do Barroso, Fortaleza, mais uns(mas) companheir@s do sindicato dos trabalhadores do IBGE.

Naturalmente, havia pessoas de diversas tendências políticas: do POR (Partido Operário Revolucionário), independentes, libertários (anarquistas), skinheads comunistas, do PSTU etc. Havia uma coordenação em cada ônibus que discutia, democraticamente, com tod@s @s passageir@s todas as normas, desde não fumar nem beber no ônibus até as músicas e filmes que iríamos ouvir e ver. Na segunda-feira ouvimos músicas variadas e na terça, vimos um filme sobre os 90 Anos da Revolução Russa, produzido pelo PSTU, seguido de debate. O que mais saltou aos olhos de tod@s neste filme foi o avançado grau de democracia operária no regime dos sovietes (conselhos de operários e soldados) russos que decidiam tudo, desde a política econômica até a organização das cidades. Depois vimos um filme sobre as ocupações de espaços urbanos debatido por tod@s sob a coordenação dos anarquistas. Na volta vimos o filme A batalha do Chile, levado pelos companheiros do POR. Menos pela influência do filme sobre a Revolução Russa e mais pelo clima de verdadeira democracia operária que reinava no ônibus, senti uma alegria muito grande com aquele sistema que bem poderia ser um soviete cearense.

Chegamos por volta das 5:30 da manhã no estádio Mané Garrincha, onde vimos chegarem as caravanas de Minas, do Rio, de Roraima, do Amapá, do Brasil inteiro. Companheir@s que viajaram até cinco dias para lá estarem. A manifestação iniciou por volta das 10:30 da manhã. A coordenação do ato puxava as palavras de ordem: “ô Lula, que indecência, essa Reforma da Previdência; 1 2 3 4 5 1000, ou param as reformas, ou paramos o Brasil; ô Lula, que coisa triste, ex-operário governado prá elite; ô Lula, que papelão, essa reforma é do patrão”, e a música: “sou, trabalhador eu sou, quero me aposentar, mas o Lula não quer deixar, eu vou à luta,” dentre outras. Brasília tingiu-se de vermelho. Olhávamos para frente e para trás e era impossível ver o início e o final da Marcha. Muita gente! Um evento de fazer vibrar os espíritos mais descrentes na resistência d@s trabalhador@es e da juventude com PT e PC do B no poder.

O bloco composto pelo ANDES e pelos estudantes vindos diretamente das dezenas de reitorias ocupadas levou o tema do REUNI – Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais, simbolizado pelos espantalhos, para lembrar a história do Espantalho que foi pedir inteligência e conhecimento ao Mágico de Oz e, este, como era um impostor e não sabia fazer mágica nenhuma, ao invés do pedido do espantalho, concedeu-lhe um diploma. O que o governo Lula quer fazer com as universidades públicas é algo semelhante. Ao invés de assegurar educação de qualidade com investimentos massivos nas universidades públicas, propõe-se a lotá-las de estudantes sem, no entanto, fazer concurso para técnico-administrativos e nem para professores e o que é pior: quer aprová-los automaticamente, tenham adquirido conhecimento ou não, no intuito de diminuir as estatísticas de evasão e repetência. Medida semelhante já é conhecida dos cearenses no ensino fundamental e médio. Quem não lembra dos famigerados AS e ANS (Avaliação Satisfatória e Avaliação Não-satisfatória) de Ciro Gomes? Agora querem fazer o mesmo com a universidade pública brasileira. Não é à toa que os Gomes, o PT, o PC do B e todo esse tucanato de verniz vermelho estão aí todos juntos contra a universidade pública e contra os direitos d@s trabalhador@es. O bloco das universidades cantava: “Eu ocupo, ocuparia, educação não é mercadoria; esse REUNI neoliberal não vai passar em nenhuma federal; esse REUNI não vai passar, ocupo reitoria para não privatizar,” dentre outras. Mas a que mais emocionou a galera foi o grito dos estudantes: “nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu, aqui está presente o movimento estudantil.”

A marcha seguiu até o Ministério do Trabalho e Previdência, onde houve uma performance teatral do pessoal da FENASPS com pizzas, Renan Calheiros e uma dama em dourado coberta de dinheiro. Após as falas das entidades promotoras, a Marcha seguiu até os jardins do Palácio do Planalto, cuja proposta inicial era ficar pouco tempo, protestar contra a corrupção e seguir com atos setoriais como, por exemplo, contra a transposição do Rio São Francisco em frente ao Ministério das Cidades e o ato da Educação em frente ao MEC. Nesse momento, o PSOL dividiu a Marcha, centrando a sua intervenção na bandeira de “Fora Renan” e numa espécie de “Feliz 2010, Heloísa Helena presidente”. Nesse momento já ocorria o ato da Educação para protestar contra o REUNI e demais medidas da Reforma Universitária e defender as demais reivindicações do movimento. Falaram o ANDES e diversos DCES, principalmente os de onde há ocupações de reitoria.

Pudemos notar três ilustres ausências na Marcha: a CUT, a UNE e o MST, os quais se comprometeram de estar e não estiveram. Um momento singular foi o hasteamento da bandeira da CONLUTE em frente ao MEC, ao som da palavra de ordem: “Eu sou de luta, sou radical, não sou capacho do governo federal”.

Após a Marcha houve reunião nacional da CONLUTAS para a qual não pudemos ficar, pois os recursos que conseguimos levantar não nos permitiram permanecer em Brasília por mais um dia. Ficaram somente algumas representações.

Na volta ao nosso pequeno soviete, houve um balanço inicial, onde @s companheir@s colocaram suas impressões sobre a Marcha. Na fala de tod@s havia unanimidade quanto à vitória da atividade, principalmente no aspecto da unidade do movimento. Fomos capazes de unir tantas correntes de pensamento em torno de bandeiras comuns. Lamentamos a atitude divisionista e eleitoreira do PSOL e apontamos a necessidade de levar para as nossas estruturas o que vivemos em Brasília, principalmente a urgência de se construir alternativas de luta d@s trabalhador@es, da juventude e dos movimentos populares, através da CONLUTE e CONLUTAS, bem como, da continuação do calendário de lutas, dentro do qual haverá reunião nacional da CONLUTAS em Fortaleza dia 10 de novembro. Houve, também, o informe de que o REUNI tinha sido aprovado pelo CONSUNI da UFC, o que exigirá uma resposta imediata.

Para mim, pessoalmente, o mais emocionante foi ver tanta gente jovem, aguerrida, de diversas correntes políticas e mesmo de nenhuma delas, disposta a colocar o melhor da sua vida a serviço da luta pela universidade pública, gratuita, laica, democrática, de qualidade, na defesa dos direitos d@s trabalhador@es e de uma sociedade verdadeiramente democrática, verdadeiramente socialista. Não essa democracia burguesa fajuta, em que se vota para presidente e se morre de fome, em que, a cada quatro anos, escolhemos quem vai nos ferrar pelos próximos quatro, mas uma democracia da maioria, onde cada um represente a si próprio em instituições verdadeiramente democráticas.

Quiçá os ventos que movem os moinhos da história nos permitam, em bem pouco tempo, um sistema mundial em que possamos participar dos sovietes do Iraque, do Haiti, dos EUA, do Crato, de Limoeiro do Norte, “dje” Fortaleza (olha o sotaque!), sem ter que, para adquirirmos conhecimento, recorrer a nenhum Mágico de Oz, ou de Orós; Que “a liberdade seja o pão em cada boca”, como diziam os muros da Sorbonne em 68; uma sociedade com verdadeiros sovietes, sem a praga monstruosa do stalinismo, essa ditadura burocrática que destruiu o regime soviético original e manchou de sangue as bandeiras do verdadeiro socialismo, o qual, segundo Marx, Lênin e Trotsky, “ou seria internacional ou não seria socialismo”; o socialismo sem o stalinismo que nunca mais manchará as bandeiras desses ideais tão antigos e tão atuais, pois “se nada somos nesse mundo, sejamos tudo, ó produtores (...) Bem unidos façamos nessa luta final, uma terra sem amos, a Internacional”.

Um forte abraço, companheir@s! Hasta la vitória siempre!
Profa. Cláudia Rejanne P. Grangeiro
Diretora do SINDURCA/ANDES/CONLUTAS, militante do PSTU.
Crato-CE, 27/10/2007

Nenhum comentário: