João Paulo da Silva
Quarta-feira de cinzas. Dois amigos conversam em uma mesa de bar. O assunto: carnaval. Um deles suspira e diz:
- É. Mais um.
- Mais um o quê?
- Mais um carnaval longe do povo.
- Que história é essa?! O carnaval é uma das festas mais populares do Brasil! Do povo mesmo!
- Já foi. Já foi. Hoje nem tanto. Não se fazem mais carnavais como antes.
- Como não?! Você não viu o desfile das Escolas de Samba? Uma coisa linda!
- Sim, sim. Claro que vi. Mas onde estava o povo?
- Como assim “onde é que estava o povo”?
- É. Onde estava? Eu lhe digo onde estava. Estava fora da Sapucaí. Ou no máximo no final da arquibancada De onde não se vê nada.
- Mas pera aí! E os enredos?!
- Outra decepção. Tanta coisa boa pra falar, tanta coisa pra denunciar... E os caras preocupados com a Família Real! Ah! Pelo amor de Deus! E a Mangueira?! E a Mangueira?! Esqueceu do Cartola! Pode?
- É... acho que você tem razão. Mas... não sei se...
- Olha, vou te falar uma verdade. Carnaval é festa do povo. Se não tem povo, não é carnaval. E outra. Faz tempo que as escolas de samba esqueceram o povo e se agarraram com os patrocinadores. Você não viu aquele monte de propaganda?!
- Mas será que você não tá exagerando?
- Não. Tô não. Olha por aí. É tudo baile fechado, festa de grã-fino, a pessoa tem que pagar uma fortuna se quiser brincar. A nossa sorte é que os blocos de rua não morreram. Lá a gente se diverte de verdade. Como em outros carnavais.
- Pois é... Parece que dessa vez o povo ficou fora da farra, né?
- E por falar em farra... Tem visto as notícias?
- Mais ou menos. Por quê?
- Porque nesse tempo de carnaval quem tá fazendo a farra mesmo são os ministros do Lula. Você não viu a história dos cartões? Um absurdo! Os caras tomando chopinho, comendo tapioca, pagando jantar caro... Tudo com dinheiro do povo, rapá!
- Mentira?!
- Sério! Tô falando. E a gente aqui. Com o feijão pela hora da morte, sem saúde, sem emprego, sem educação.
- Esse governo é demais, hein! Imagina se fosse uma escola de samba.
- E o samba? Como seria o samba?
- Esse eu até já sei. “Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão!”
- E se fosse um baile?
- Aí teria que ser de máscaras. Que é pra ninguém ser reconhecido.
- Viu só?
- O quê?
- Carnaval é isso. É irreverência, é satirizar os poderosos. Ridicularizar mesmo essa banda toda aí.
- Mas vem cá. Você acha que o carnaval deles vai ter fim?
- Claro que vai! Todo carnaval tem sua quarta-feira de cinzas, não tem? Pois então! Mas pra isso a gente precisa primeiro começar o nosso. Até mesmo porque já tá mais do que na hora de esquentar a bateria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário