segunda-feira, 7 de abril de 2008

Eduardo Galeano - Oitavo mandamento: Mentirás

No dia 27 de março, o jornal uruguaio Página 12 publicou o texto "Octavo Mandamiento: Mentirás", do escritor Eduardo Galeano, cuja tradução para o português postamos aqui. O texto muito divulgado na web por ocasião do primeiro de abril, fala das mentiras acerca da crise econômica e da guerra do Iraque e de uma verdade por trás dos tratados de livre comércio.

O texto foi publicado em português de Portugal pelo portal Resistir.info. Como percebemos que o mesmo omitia uma pequena passagem sobre o Brasil, resolvemos ir ao original e traduzi-lo por nós mesmos.

Oitavo mandamento: Mentirás

Uma mentira

Até há pouco os grandes meios de comunicação nos brindavam, a cada dia, cifras alegres acerca da luta internacional contra a pobreza. A pobreza estava batendo em retirada, ainda que os pobres, mal informados, não soubessem da boa notícia. Os burocratas mais bem pagos do planeta estão a confessar, agora, que os mal informados eram eles.

O Banco Mundial tornou conhecida seu International Comparison Program. Neste trabalho participaram, juntamente com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, as Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico e outras instituições filantrópicas.

Ali os peritos corrigem alguns errinhos dos relatórios anteriores.

Entre outras coisas, nos inteiramos agora que os pobres mais pobres do mundo, os chamados "indigentes", somam quinhentos milhões a mais do que os que apareciam nas estatísticas.

Além disso, ficamos sabendo que os países pobres são bem mais pobres do os numerozinhos diziam e que a sua desgraça piorou enquanto o Banco Mundial lhes vendia a pílula da felicidade do mercado livre.

E como se isso fosse pouco, surge que a desigualdade universal entre pobres e ricos havia sido mal mensurada e em escala planetária o abismo é ainda mais fundo que o do Brasil, país injusto por si só.

Outra mentira

Ao mesmo tempo um ex vice-presidente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, em um trabalho conjunto com Linda Bilmes, investigou os custos da guerra do Iraque.

O presidente George W. Bush havia anunciado que a guerra poderia custar, quando muito, 50 bilhões de dólares, o que a primeira vista não parecia demasiado caro tratando-se da conquista de um país tão rico em petróleo.

Eram números redondos, ou melhor, quadrados. A carnificina do Iraque já leva mais de cinco anos e, neste período, os Estados Unidos gastaram um trilhão de milhões de dólares matando civis inocentes. Desde as nuvens, as bombas matam sem saber quem. Por baixo da mortalha de fumaça, os mortos morrem sem saber porque. Aquela cifra de Bush serve para financiar apenas um trimestre de crimes e discursos. A cifra mentia, ao serviço desta guerra, nascida de uma mentira, que mentindo segue.

E outra mentira mais

Quando todo o mundo já sabia que no Iraque não havia mais armas de destruição em massa do que as que usavam os seus invasores, a guerra continuou, ainda que houvesses esquecido os seus pretextos.

Então, em 14 de dezembro do ano de 2005, os jornalistas perguntaram quantos iraquianos haviam morrido nos dois primeiros anos de guerra.

E o presidente Bush falou do assunto pela primeira vez. Respondeu:

— Uns 30 mil, mais ou menos.

E continuando fez uma piada, confirmando o seu sempre oportuno senso de humor, e os jornalistas riram.

No ano seguinte, reiterou o número.

Não esclareceu que os 30 mil referiam-se aos civis iraquianos cuja morte havia aparecido nos jornais. O número real era muito maior, como ele bem sabia, porque a maioria das mortes não se publica, e bem sabia também que entre as vítimas havia muitos velhos e crianças.

Essa foi a única informação proporcionada pelo governo dos Estados Unidos sobre a prática do tiro ao alvo contra os civis iraquianos. O país invasor só faz contas, detalhadas, dos seus soldados caídos. Os demais são inimigos, ou danos colaterais que não merecem ser contados. E, em todo caso, contá-los poderia ser perigoso: essa montanha de cadáveres poderia causar má impressão.

E uma verdade

Bush vivia seus primeiros tempos na presidência quando em 27 de julho do ano 2001 perguntou a seus compatriotas:

— Vocês podem vocês imaginar um país que não fosse capaz de cultivar alimentos suficientes para alimentar a sua população? Seria uma nação exposta a pressões internacionais. Seria uma nação vulnerável. E por isso, quando falamos da agricultura americana, na realidade falamos de uma questão de segurança nacional.

Dessa vez, o presidente não mentiu. Ele estava defendendo os fabulosos subsídios que protegem o campo do seu país. "Agricultura americana" significava e significa "Agricultura dos Estados Unidos".

Contudo, é o México, outro país americano, o que melhor ilustra os seus acertados conceitos. Desde que assinou o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, o México não cultiva alimentos suficientes para as necessidades da sua população, é uma nação exposta a pressões internacionais e é uma nação vulnerável, cuja segurança nacional corre grave perigo:

- Atualmente o México compra dos Estados Unidos 10 bilhões de dólares de alimentos que poderia produzir;

- Os subsídios protecionistas tornam impossível a competição;

- Nesse passo, daqui a pouco as tortillas mexicanas seguirão sendo mexicanas pelas bocas que as comem, mas não pelo milho que as faz, importado, subsidiado e transgénico;

- O tratado havia prometido prosperidade comercial, mas a carne humana, camponeses arruinados que emigram, é o principal produto mexicano de exportação.

Há países que sabem se defender. São poucos. Por isso são ricos. Há outros países treinados para trabalhar para a sua própria perdição. São quase todos os demais.

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