A frase é do jornalista e documentarista australiano Jonh Pilger no seu artigo Obama, the prince of bait-and-switch de 24 de julho de 2008, que traz dados assustadores sobre a ofensiva de guerra estadunidense sobre o Afeganistão, como a aterradora cifra de 1853 bombas lançadas no solo afegão nos seis primeiros meses de 2008.
Reproduzo aqui na íntegra a tradução do artigo publicada no portal portugês Resistir.
Obama, o príncipe do engodo
Em 12 de Julho, The Times dedicou duas páginas ao Afeganistão. Foi sobretudo acerca do calor. O repórter, Magnus Linklater, descreveu em pormenor o seu desconforto e como teve necessidade de ser borrifado com água fria. Ele também descreveu o "grande drama" e a "rotina meticulosamente praticada" de evacuar um outro jornalista demasiado calorento. Para as equipes de resgate da US Marine, escreveu Linklater, "salvar uma vida tem prioridade sobre a segurança [deles]". Junto a esta peça havia uma reportagem cujo parágrafo final mencionava que "47 civis, a maior parte deles mulheres e crianças, foram mortos quando um avião da US Air Force bombardeou domingo uma festa de casamento no leste do Afeganistão".
Carnificinas nesta escala são comuns, e na maioria das vezes permanecem desconhecidas para o público britânico. Entrevistei uma mulher que havia perdido oito membros da sua família, incluindo seis filhos. Foi lançada uma bomba de 500 libras [227 kg] US Mk82 sobre a sua casa construída com barro, pedras e palha. Não havia "inimigo" nas proximidades. Entrevistei um director de escola cuja casa desapareceu numa bola de fogo provocada por outra bomba de "precisão". Lá dentro estava nove pessoas – sua esposa, seus quatro filhos, seu irmão e sua esposa, e sua irmã e seu marido. Nenhum destes assassínios em massa foi notícia. Tal como Harold Pinter escreveu a respeito de tais crimes: "Nada chegou a acontecer. Mesmo quando estava a acontecer isto não estava acontecer. Não importava. Não tinha interesse".
Um total de 64 civis foram bombardeados até à morte enquanto o homem de The Times estava inconfortável. A maior parte eram convidados na festa de casamento. As festas de casamento são uma especialidade da "coligação". Pelo menos quatro delas foram arrasadas — nas províncias de Mazar, Khost, Uruzgan e Nagarhar. Muitos dos pormenores, incluindo os nomes das vítimas, foram compilados por um professor de New Hampshire, Marc Harold, cujo Projecto Memorial de Vítimas Afegãs é um trabalho meticuloso de jornalismo que envergonha aqueles que são pagos para manterem o registo em dia e relataram quase tudo acerca da Guerra Afegã através dos serviços de relações públicas dos militares britânicos e americanos.
Os EUA e seus aliados estão a lançar números recorde de bombas sobre o Afeganistão. Isto não é noticiado. No primeiro semestre deste ano, foram lançadas 1853 bombas: mais do que todas as bombas de 2006 e a na maior parte de 2007. "As bombas utilizadas mais frequentemente", relata o Air Force Times, "são as de 500 libras e 2000 libras [907 kg] conduzidas por satélite...". Sem esta carnificina unilateral, o ressurgimento dos Taliban poderia não ter acontecido. Mesmo Hamid Karzai, fantoche americano e britânico, disse isso. A presença e a agressão de estrangeiros quase uniu a resistência que agora inclui antigos senhores da guerra outrora na folha de pagamento da CIA.
Este escândalo seria a manchete dos noticiários, se não fosse aquilo que o antigo porta-voz de George W. Bush, Scott McClellan, denominou de "activadores da cumplicidade" ("complicit enablers") — jornalistas que funcionam como pouco mais de alto-falantes oficiais. Tendo declarado que o Afeganistão era uma "boa guerra", tais activadores da cumplicidade estão agora a incensar Barack Obama quando ele se passeia pelas festas sanguinárias no Afeganistão e no Iraque. O que eles nunca dizem é que Obama é um terrorista (bomber).
No New York Times de 14 de Julho, num artigo destinado a aparentar como que o fim da guerra no Iraque, Obama exigiu mais guerra no Afeganistão e, com efeito, uma invasão do Paquistão. Ele quer mais tropas de combate, mais helicópteros, mais bombas. Bush pode estar de saída, mas os republicanos construíram uma máquina ideológica que transcende a perda do pode eleitoral — porque seus colaboradores são, como disse sucintamente o escritor americano Mike Whitney, democratas do "engodo falso" ("bait-and-switch"), dos quais Obama é o príncipe.
Aqueles que escrevem de Obama que "no que se refere a assuntos internacionais, ele constituirá uma enorme melhoria sobre Bush" demonstram a mesma ingenuidade deliberada que apoiou o "engodo falso" de Bill Clinton – de Tony Blair. Com Blair, escreveu Hugo Young no fim de 1997, "a ideologia rendeu-se inteiramente a 'valores'... não há vacas sagradas [e] nenhuns limites fossilizados para o campo sobre o qual a mente possa estender-se na busca de uma Grã-Bretanha melhor...".
Onze anos e cinco guerras depois, pelo menos um milhão de pessoas está morta. Barack Obama é o Blair americano. É irrelevante que ele seja um operador calmo e um homem negro. Ele faz parte de uma sistema duradouro e desenfreado cujos chefes de banda e grupos de apoio nunca vêem, ou querem ver, as consequências de bombas de 500 libras despejadas erradamente sobre casas de barro, pedras e palha.
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