"Mas sejam quais forem as circuntâncias da minha morte, morrerei com fé inabalável no futuro comunista da humanidade" (Leon Trotsky)
A fé é um fenômeno tipicamente humano. Quase todos os seres humanos manifestam fé em algo. Leon Trotsky, por exemplo, na frase citada acima, afirma sua "fé inabalável" no futuro comunista da humanidade. Outras pessoas tem outras fés, diferentes (e não necessariamente incompatíveis com essa fé de Trotsky).
De onde Trotsky tirou sua "fé inabalável" no futuro comunista da humanidade? Quem podia lhe garantir que o futuro da humanidade não será a barbárie (como expresso na celébre dicotomia de Rosa Luxemburgo: "Socialismo ou barbárie"), quem podia lhe garantir que o comunismo triunfará? Nada, nem ninguém, poderia. Mesmo assim, Trotsky tinha não apenas fé, mas fé inabalável, em um futuro comunista.
Algumas polêmicas podem então ser sucitadas quando os ateus proclamam a sua crença na não existência de Deus como sendo a "Verdade". Em primeiro lugar, existe uma grande diferença entre não aceitar as religiões oficiais estabelecidas (como o catolicismo ou o luteranismo), e ser ateu. Vejamos alguns exemplos:
O próprio Charles Darwin, criador da Teoria da Seleção Natural, morreu sem nunca se afirmar ateu. Nos últimos anos de sua vida, dizia-se agnóstico, e polemizava com os que queriam impor o ateísmo (como polemizou com o marxista Edward Aveling, esposo de Eleanor Marx).
Um dos maiores físicos de todos os tempos, pai da Teoria da Relatividade, o socialista Albert Einstein, não era ateu, e expressou em diversas oportunidades sua religiosidade. A mais celébre talvez tenha sido na sua conhecida frase "Deus não joga dados". Mas essa não foi a única ocasião. Certa vez afirmou: “a ciência sem a religião é manca; a religião sem a ciência é cega” O fato de Einstein não professar nenhuma religião oficial nunca o tornou um ateu.
Einstein não acreditava em um Deus personalizado, mas se irritava quando insistiam em lhe imputar a pecha de ateu. Einstein sempre estabeleceu uma distinção nítida entre sua descrença num Deus pessoal, de um lado, e o ateísmo, de outro. Num texto em que comentava um livro que negava a existência de Deus, Einstein disse: “Nós, seguidores de Espinosa, vemos nosso Deus na maravilhosa ordem e submissão às leis de tudo o que existe, e também na alma disso, tal como se revela nos seres humanos e nos animais." Em seu ensaio "Religião e Ciência", de 1930, Einstein definiu o que chamava de "três estágios de desenvolvimento" da religião. O terceiro estágio, que considerava o mais avançado, ele chamou de “sentimento religioso cósmico”.
A crença de Einstein talvez seja reflexo da percepção mais moderna, do século XX, que tinha do Universo e da matéria (ele mais do que ninguém, como pai da Relatividade). A visão que se tinha da matéria no século XIX, nos tempos em que Marx escreveu (obviamente condicionado por sua época), era uma visão bastante limitada, e bem menos refinada do que a visão que foi-se desenvolvendo no decorrer do século XX.
O próprio materialismo histórico de Marx distinguia-se do materialismo vulgar de Feuerbach. Marx, pessoalmente, era um ateu, porém sua maior contribuição teórica, o materialismo histórico, é uma Teoria da História, cuja preocupação central é explicar a evolução da história humana através do prisma da luta de classes. Não se tratava de uma mera filosofia da matéria, como o materialismo vulgar, cuja maior preocupação era afirmar a "matéria" como sendo tudo o que existe, e negar a existência de qualquer evento ou Ser extra-material (incluindo Deus).
A própria concepção de matéria da época de Marx sofreu inúmeros impactos posteriores. No tempo de Marx, o átomo, unidade fundamental da matéria, ainda era visto como uma bolinha indivisível, e seus componentes como prótons, nêutrons e elétrons ainda não haviam sido descobertos. No decorrer do século XX, responder a pergunta: "O que é a matéria" tornou-se algo cada vez mais complexo. Einstein descobriu que E=mc² (a correspondência entre matéria e energia). Os prótons e nêutrons foram cada vez mais subdivididos em novas partículas subatômicas descobertas, surgindo toda uma "fauna" de múons, glúons, quarks, e outras partículas até hoje não inteiramente compreendidas pelos cientistas. Decobriu-se que a luz, misteriosamente, as vezes se comporta como onda eletro-magnética, e as vezes como partícula (o famoso fóton). A força da gravidade continua um mistério, e ainda não há provas irrefutáveis da existência de uma partícula chamada gráviton, que permanece na especulação.
Se é tão difícil afirmar o que é a matéria, como os "materialistas" de nosso tempo podem afirmar com tanta certeza que tudo o que existe é a matéria, e não existem seres imateriais (incluindo o Criador)? Como podem cultuar o seu "deus matéria" sem sequer explicar do que ele é feito?
Não seria mais prudente, e mais plural e democrático, manter o materialismo histórico como aquilo que ele é, uma Teoria da História, baseada na luta de classes?
* Este texto é de autoria de Iskra, em um debate democrático com os defensores do ateísmo. O autor é materialista-histórico (em sua concepção da História humana), mas não é materialista (em sentido feuerbachiano), e acredita em Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário